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Mais um trabalho literário

 

Grito de Alerta (Praça dos Meus Sonhos)

A PRAÇA DOS MEUS SONHOS

Boa Vista se destaca pelo traçado urbano organizado de forma radial. Planejada no período entre 1944 e 1946 pelo engenheiro civil Darcy Aleixo Derenusson, lembra um leque, em alusão às ruas de Paris. Foi construída no governo do Capitão Ene Garcez, o primeiro governador do então Território Federal do Rio Branco. As principais avenidas da cidade convergem para a Praça do Centro Cívico, onde se concentram as sedes dos poderes: executivo, legislativo e judiciário estaduais, além dos pontos culturais. Destacam-se, ainda, o teatro Carlos Gomes, o Palácio do Governo, o hotel Aipana, os bancos da Amazônia e do Brasil, os Correios e a Catedral Diocesana. Na época pensaram em tudo, inclusive, no traçado das praças.

Numa definição bem ampla e de domínio popular, praça é qualquer espaço urbano livre de edificações e que propicia recreação para seus usuários. Em todos os lugares, se bem cuidadas, as praças quase sempre são ajardinadas, arborizadas e oferecem comodidades aos visitantes. Algumas, como aqui em Boa Vista, oferecem restaurantes, lojinhas e locais para a prática de esportes. A Praça das Águas é a principal e a mais charmosa das praças existentes em Boa Vista. Tem seu início justamente no traçado urbano projetado pelo arquiteto Darcy Aleixo.

Mas minha praça preferida, dentre tantas, é a Praça dos Bambus. Não é a mais charmosa, nem a mais bonita e nem a mais frequentada. Porém, foi ela que marcou a minha vida para sempre. Era lá que eu buscava refúgio quando me sentia triste, quando estava amargurado, quando não sabia que rumo seguir. Aquela praça era o meu porto seguro. O lugar do meu reencontro comigo mesmo.

Na fase mais crítica da minha depressão a Praça dos Bambus estava em reforma e, sem acesso à população. Foi devido a essa interdição que passei a frequentar a Praça das Águas. Praça muito aconchegante, moderníssima, bem localizada e, por tantos atributos, a mais frequentada pela população de Boa Vista. Inúmeras vezes, me dirigi, àquela praça, para decidir, quando sair dessa vida e como fazê-lo. Pensei até em abandonar este mundo, exatamente no meio da praça.  Mas logo percebi que seria inviável. Eu iria macular a beleza daquele ambiente com um ato que em nada dignificaria minha passagem por ali. A praça não merecia atos extremos e nem atentados dessa natureza. O grande fluxo de pessoas indo e vindo também não favorecia àqueles meus pensamentos vazios. As praças são lugares para celebrar a vida, não para mudar a vida de lugar.

Muitas vezes, à noite, sentava-me no banco daquela praça olhando para o horizonte com o meu olhar vazio e perdido, com os meus pensamentos que pouco pensavam e me perguntava: Qual o verdadeiro sentido da vida? Porque quero tirar a minha vida? Sentado naquele banco da praça eu era um ser fragilizado e com minha autoestima sem estima nenhuma. Não sentia prazer nas coisas que via, na verdade, eu só queria estar em outro lugar, em outro mundo. Eu havia me fechado para o sentido da vida, sem perceber que a vida é uma estrada sempre aberta.

Hoje, quando volto à praça, penso que o real sentido da vida é muito mais que filosófico. A vida é o propósito da existência humana. E, lembro do tempo em que eu me questionava: O que estou fazendo aqui na praça? Fugindo do quê? De quem? Se por onde eu andar a tristeza estará ao meu lado. Talvez, penso hoje, eu tivesse uma pequena esperança de que a praça resolvesse os meus problemas, curando a minha depressão. Se naquela época, num dos meus momentos de tristeza, lá na praça, passasse alguém, um alguém qualquer e me dissesse: “Dentro de instantes vai partir um avião e vai cair logo ali. Você quer ir?” Claro que eu embarcaria. Abreviaria o que eu estava tentando encontrar de outras maneiras.

Lembro que as pessoas que frequentavam a praça passavam por mim, alegres, antenadas, no celular, ouvindo suas músicas preferidas pelo fone de ouvido. Eu ficava apenas olhando para as pessoas, querendo que alguém, quem quer que fosse, me perguntasse: “Você está bem”? Por mais que eu quisesse isso, ficava ouvindo vozes que pareciam me dizer: “Você precisa morrer”. Você precisa abandonar este mundo. Me pareciam vozes muito fortes. Muito convincentes. Era muito difícil lutar contra elas. Ninguém me notava. Ninguém percebia que eu estava ali. Ninguém poderia ouvir o meu pedido silencioso de socorro. Acho que o certo mesmo era que eu, não queria ser notado. Nada mais me dava prazer. O que mais me encantava, dentre poucas coisas, era o Pôr do Sol. Era para mim um momento mágico. Aquele Pôr do Sol parece que me aguardava para ser visto. Parece que falava comigo. Como ele é lindo em Boa Vista, visto, principalmente, com os encantos da Praça das Águas.

Quando a gente está triste demais não vê prazer em quase nada. Eu não conseguia encontrar uma luz no final do túnel. Eu não conseguia sair do túnel que criei para mim mesmo usufruir. E, lá dentro é muito escuro. Naquela vontade de não ter vontades o meu maior objetivo era o de chegar ao final da vida. Depois daquele Pôr do Sol, chegava a hora de retornar para casa. E, voltava com passos amargos, inconsequentes, conversando com a minha inseparável amargura. Voltava sem saber por que voltava. Voltava porque segui o meu instinto. Mas, eu não encontrava um porquê?

Num dia desses li, não recordo onde, que a morte é uma opção pessoal e ninguém tem nada com isso. Hoje eu tenho saberes que me fazem discordar. Porém, naquela época eu também pensava da mesma maneira. Acredito agora que a vida é o maior presente que Deus nos concede. Entre o nascer e o morrer existe um espaço que é de nossa responsabilidade.

Fiquei quase um ano em depressão. É muito tempo. A Praça dos Bambus, a minha praça predileta, ficou um ano e nove meses em reforma. Também foi muito tempo. No dia 15 de abril de 2016 a Praça foi reinaugurada. Ela e eu estávamos renovados. Ela e eu reconstruídos. Ela e eu com as nossas feridas cicatrizadas.  Viver é recordar diz um certo adágio popular. Então, voltarei no tempo, para recordar como eram os encontros com a minha namorada, naquela praça. Ah! Como é bom namoro na praça! Como é bom conversar com a pessoa amada sem prestar atenção no tempo e namorar. São coisas simples, fascinantes e misteriosas, que as praças nos proporcionam. Nossos encontros sempre aconteciam ali. Lugar que me recorda momentos ternos. Paisagens que me mostram um olhar apaixonado e apaixonante. Bancos que me lembram as carícias medrosas do sempre querer um pouco mais. Era ela a praça dos nossos sonhos, das nossas recordações e, também, do nosso primeiro sonho, do nosso primeiro desejo, do nosso primeiro beijo.
Fecho os olhos e volto ao ano de 1983. Porém, hoje, curado da depressão, me deparo com a responsabilidade de escolher as palavras certas para descrever o que vivi naquela noite, observado por um cavalheiro estranho que nos observava. Chegamos à praça sorrindo e felizes, como chegam os casais apaixonados. E ali aconteceu o nosso primeiro beijo. Beijo inocente com a candura e a pureza da primeira vez. Estávamos sós naquele lugar amoroso dentro de uma noite escura, carente de lua cheia, mas generosa de boas e belas intenções. De repente diante de nós estava um cavalheiro andarilho. Nos olhava com profunda admiração e respeito. Parece que sabia de memória os caminhos do amor. Foi ele quem testemunhou nosso primeiro beijo.

Hoje, passados tantos anos, retornei à praça, sentei-me no mesmo banco e, olhei para o horizonte imaginando, secretamente, se ele, o velho andarilho, estaria ali num cantinho da praça prestando atenção em mim. Meu desejo era que ele estivesse ali. Não estava. Nunca mais estaria. Nem ela estaria. Como ele, também, não estará. O andejo se foi e com ele se foi a pessoa daquele primeiro beijo. E, penso no amor. E, penso, que as praças são locais onde a vida se expressa livremente. Onde as pessoas podem manifestar livremente as suas tristezas ou as suas alegrias. Onde os amores acontecem e onde as amizades se perpetuam.

A minha depressão não está mais comigo. O cavalheiro andarilho desapareceu no encanto e na magia que a vida e as praças proporcionam. A moça do primeiro beijo seguiu por outros caminhos. Porém, a praça dos meus sonhos permanece no mesmo lugar, remoçada e linda, recebendo os novos casais de namorados e presenciando os primeiros beijos ardentes dos eternos apaixonados. O meu banco predileto está lá no mesmo lugarzinho. Quando eu quero conversar com a minha saudade encontro, naquele recanto, o túnel do tempo onde as minhas melhores lembranças se escondem. É assim que volto a sonhar, de vez em quando, na Praça dos Bambus, a praça dos meus melhores sonhos.

Essse texto faz parte do novo livro que será lançado no mês de setembro de 2017.

 

 

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